30 novembro 2017

RESISTÊNCIA TRANSVIADA: o grito de liberdade contra o conservadorismo na cena roqueira

Por Karine Campanille / Fotos: Juliana Marota

Xerxes 
O Resistência Transviada foi um evento idealizado por e para pessoas LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transvesti gêneros, queers, intersexuais e outros), com intuito de dar visibilidade para bandas que tem integrantes que se enquadram na sigla, assim como dividir o espaço com variantes de nossa cultura, como apresentação de drag queens e o mais importante de tudo, fazer um evento seguro pra pessoas que curtem vertentes de punk e metal e não frequentam eventos voltados a esses estilos musicais por não se sentirem totalmente acolhidas e seguras. Quando digo "seguras" é por razões que talvez algumas pessoas heterossexuais e cisgêneras (cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento) julgam ser 'vitimismo', 'frescura', 'mimimi'.


Porém, a questão é que em nenhum evento "tradicional", pessoas LGBTQI+ se sentem livres para, de repente, se pegar nuns beijos; pois se for um casal de homens a probabilidade de serem hostilizados é enorme, se for de mulheres ainda rola fetichização por parte de muitos homens cis, se forem pessoas trans ou queer suas identidades de gênero são desrespeitadas (tem lugar que rola proibição de se usar os banheiros de acordo com o gênero que a pessoa se identifica), além de piadas machistas, homofóbicas, transfóbicas, misóginas, olhares de reprovação, ou seja, comportamentos que a sociedade sujeita essas pessoas, portanto, muitas na hora de escolher um lugar pra se divertir acabam escolhendo até aqueles que elas não curtem o som, mas são bem recebidas.


Quantas vezes não convidei amigos e amigas minhas LGBTQ pra alguma gig que eu ia tocar e me disseram que não colavam mais por já terem passado por experiências ruins? Isso me deu um estralo que estava na hora de se fazer um evento voltado para nós, pois infelizmente ainda é necessário um evento separado e exclusivo pra esse público com os sons que gostamos, que não são só as divas pop. Nisso, no meio desse ano eu e mais três amigas envolvidas na cena underground punk e metal formamos um coletivo pra colocar esse evento em prática.


E estávamos certas. No dia do evento o ceú desabou em chuva por São Paulo toda, enquanto a hora de começar o evento se aproximava a chuva só aumentava, os arredores se enchiam de água e nosso medo de não colar ninguém tomava conta. Mas mesmo com tamanha chuva, aos poucos integrantes das bandas iam chegando, drags, pessoas que iam expor seus trabalhos, vender comida, e finalmente, pingando como a chuva que diminuía beirando a meia-noite foi chegando o público e aos poucos enchendo a casa e na hora que tudo estava pronto pra começar eu estava maravilhada ao ver tanta gente que enfrentou aquele mau tempo, chegando todas estilosas, viados, sapatões, travestis, homens e mulheres trans, pessoas queers e também héteros (dessa vez como minoria). E qual a diferença disso? Senta aí que vou contar.

Vee Wayward
Enfim, a chuva atrasou tudo, mas a drag queen Vee Wayward abriu a festa com sua apresentação de estreia que colocou todos pra cima, logo depois veio a Audrey pra completar fortemente a emoção. E com todos com os corações aquecidos começa Bioma, banda feminina de queer core que levou todos pro mosh — isso já é uma cena difícil de se ver em eventos na capital paulista, que o público costuma ser mais frio, agora imagina ver uma roda das transviadas todas se jogando, pogando, moshando e batendo cabelo? Da minha parte eu digo que via e participava daquilo e não conseguia acreditar no que estava acontecendo, maravilhada.

Audrey
E pensa que, quando a Bioma terminou de tocar, durante o intervalo pra preparação do 2º bloco do evento, se formaram casais e policasais, se beijando e se acariciando e sem se preocuparem com violência, fetichização ou qualquer forma de discriminação. Isso pra mim foi inédito num espaço voltado pra metal e punk. O que prova que a liberdade que tais estilos dizem promover ainda precisa muito ser revista e evoluir, pois essa experiência que presenciei não existe em espaço onde héteros e cisgêneros são maioria.

Jenny Jinx
O próximo bloco contou com a apresentação da Jenny Jinx e Ricardo Miguel, que trouxeram o ideal de liberdade de nossos corpos. E então tocou Rastilho com seu crust finíssimo e empoderado, que enlouqueceu todos no espaço e quase levou à exaustão com tanta energia que envolveu o público.

Hellarise
Pra finalizar veio a parte metal, onde Föxx Salema mandou com sua voz poderosa covers de heavy metal e hardcore, abrindo pra HellArise, banda de thrash metal que levantou a galera já exausta às 4h e pouco da madrugada. Depois Xerxes com sua apresentação esbanjando carisma abriu pra Kultist, que fechou o evento com seu metal taciturno e envolvente do universo lovecratiano. Era quase 6h da manhã e tinha público no pico!

Kultist
Pra nós da organização foi uma experiência tão única e realizadora, que com todas as respostas que tivemos do público resolvemos que esse evento acontecerá três vezes por ano e sempre nesse formato, com bandas com pelo menos um integrante LGBTQI+ junto com as apresentações das drags, que deram toda a magia e cara desse evento.



3 comentários:

  1. Melhor matéria e evento q vi vislumbrei nos últimos tempos! Parabéns! Tá bom desse evento de consolidar e de se descentralizar Brasil a fora ��

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