03 novembro 2017

Novo dos MOONSPELL é uma viagem épica até aos "escombros da terra"

Da esquerda para a direita: Aires Pereira (baixo), Pedro Paixão (teclado e guitarra), Fernando Ribeiro (voz), Ricardo Amorim (guitarra) e Mike Gaspar (bateria).
Canções em português, orquestrações, coros e até uma versão doom dos Paralamas do Sucesso. Os Moonspell fizeram do retrato do terremoto de Lisboa um momento único na carreira da banda.

A cinza no ar, os escombros da terra, o fogo que inunda, a água que queima, ruínas." A Lisboa retratada no novo álbum dos Moonspell não é a das hordas de turistas, da renovação urbana expresso, dos grupelhos de caloiros a cantar sob o calor de outono. A Lisboa de 1755 é a da morte, da destruição, do medo de Deus e da impotência perante os elementos. E, no fim, do renascimento.

O desafio era, à partida, arriscado: passar de um EP de 4 canções - que chegou a ter como título provisório Ruínas, música da qual foi retirado o verso que abre este texto - para as dez músicas de um álbum temático sobre o terramoto que arrasou a capital portuguesa a 1 de novembro de 1755. Mas ouvindo o primeiro tema do disco, o desafio ganha ainda maior dimensão. Percebemos que os Moonspell quiseram fazer desta uma viagem épica por um momento de viragem na história nacional, com recurso a orquestrações e coros de "pompa wagneriana" que marcam todo o trabalho e que facilmente poderiam descambar e descaracterizá-lo. O que, para descanso dos fãs, não aconteceu. "Uma boa orquestração é a que não tem nada a mais, nem nada a menos." A falar com o DN junto ao Terreiro do Paço, um dos locais centrais no terremoto, Fernando Ribeiro, vocalista dos Moonspell, explica como a banda criou um ambiente operático sem recurso a uma orquestra. "Tivemos um excelente orquestrador, o John Phipps, que tem acesso a toda uma gama de sons, mas é mais novo do que nós e tivemos de jogar também com o nosso gosto e a nossa experiência, muitas das linhas já as tínhamos."


Mas não se pense que este é um disco de metal sinfônico. É um álbum de metal, onde o terremoto será a continuação dos temas do apocalipse do disco "Night Eternal", ou da extinção em "Extinct". Aqui, as partes mais pesadas representam as catástrofes naturais, as orquestrações cumprem a missão de nos transportar para as ruas multiculturais da Lisboa do século XVIII, em especial com o recurso a ambientes orientais, e os coros num latim inventado - quase como personagens numa tragédia grega - remetem-nos para as igrejas. E até o fadista Paulo Bragança nos canta numa voz límpida, em "In Tremor Dei", uma "Lisboa em chamas, caída, tremendo, sem Deus".

"Tudo é muito vivo, o álbum tem ondas. O que interessa em tudo isto que fizemos é contar a história." Uma história que, segundo Fernando Ribeiro, não se contava nas quatro canções iniciais do EP. "Seria frustrante ficar só por ele." Além disso, "porque andamos em 2017 em celebração vintage em comemoração dos nossos 25 anos, precisávamos de uma transfusão de sangue, e o 1755 enquadra-se nisso".

Com tantas camadas e leituras, a pergunta impõe-se: foi este o disco mais desafiante da carreira dos Moonspell? "É uma pergunta boa para quem fez a parte musical", começa por responder Fernando Ribeiro. "Os desafios são encarados com entusiasmo. O que nos mantém juntos sem termos uma relação aborrecida é a criatividade. Nesse aspecto foi desafiante. Enquanto vocalista o maior desafio era contar a história bem, o fator-chave para fazer os ouvintes viajarem até ao dia 1 de novembro de 1755 e estarem connosco naquele dia e também desvendar o futuro de Lisboa, um futuro de reconstrução. A nível musical houve várias camadas, foi desafiante, mas não necessariamente o mais desafiante." E os desafios, acrescenta Pedro Paixão, teclista e guitarrista, "dependem das circunstâncias e das alturas das nossas vidas em que os álbuns são feitos".


Uma língua musical

A métrica. O velho problema apontado por muitas bandas para justificar a opção de cantar em inglês e não em português. "E nós também torcemos o nariz em determinada altura a cantar em português", admite Ricardo Amorim, guitarrista dos Moonspell. "Mas depois percebemos que pode resultar. Lembro- -me de quando o Fernando e o Pedro musicaram um poema do Miguel Torga para o Orfeu Rebelde de ter pensado "isto até funciona, é uma questão de escolher as palavras certas". É uma língua até bastante musical." Mas se os Moonspell já tinham pequenas experiências com letras em português - principalmente com as gémeas Trebaruna e Ataegina, do álbum "Wolfheart" -, compor 50 minutos de música acompanhada apenas pela nossa língua obrigou Fernando Ribeiro "a uma tortura por parte dos colegas verdugos do ritmo (risos)". "Até escrevi as letras de forma bastante rápida, já as tinha na cabeça, mas depois estivemos de volta delas para arranjar a métrica e a expressão certas para soar tudo tight."

E o resultado final soa de forma natural, sem aquela estranha noção de termos palavras torturadas em espaços que não eram os seus. Desde o "sou sangue do teu sangue, sou luz que se expande" de Em Nome do Medo, primeira canção do álbum, até à surpreendente "Lanterna dos Afogados" que fecha o disco - versão que transformou uma música dos Paralamas do Sucesso, que fez parte da novela brasileira Rainha da Sucata, numa canção com marcas de doom metal a fazer lembrar "Bloody Kisses", dos Type o Negative -, os Moonspell conseguem manter a coerência poética. Uma forte carga cênica que leva a banda a querer apresentar o disco em teatros, com figuras de época e monges em palco. Ambiente que os fãs poderão encontrar já nos concertos de Lisboa - segunda e terça-feira - e Porto - no dia 1 de novembro -, ainda antes do lançamento oficial do álbum, marcado para dia 3 de novembro.

Texto original extraído do site Diário de Notícias




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